Na vida, muitas vezes nos pegamos repetindo situações que nos causam dor — relacionamentos que seguem o mesmo padrão, escolhas que parecem nos levar sempre ao mesmo lugar ou até atitudes que, no fundo, não compreendemos por que tomamos. Na psicanálise, esse fenômeno recebe o nome de Compulsão à Repetição (em alemão: Wiederholungszwang), conceito desenvolvido por Sigmund Freud.

De forma simples, trata-se de uma tendência inconsciente de reviver experiências traumáticas do passado, não pela lembrança clara e consciente, mas pela ação. Ou seja, em vez de lembrar do que aconteceu, a pessoa acaba atuando aquele conteúdo reprimido, repetindo o padrão em sua vida atual — mesmo que isso traga sofrimento.

A psicanálise nos mostra que, por trás dessa repetição, existe o que Freud chamou de “ganho inconsciente”. Esse ganho não significa prazer em sofrer, mas sim uma tentativa inconsciente de dar vazão a impulsos que ficaram bloqueados na infância. Muitas vezes, esses impulsos têm uma carga agressiva ou de desejo que não pôde ser expressa, pois as regras e normas sociais da convivência os reprimiram.

Como consequência, esses conteúdos encontram formas indiretas de se manifestar. É como se a psique, em busca de uma saída, criasse caminhos tortuosos para liberar aquilo que foi contido. O resultado, no entanto, é paradoxal: a pessoa pode encontrar um certo alívio emocional justamente por meio de experiências dolorosas.

Um exemplo clássico é de quem, de maneira inconsciente, se coloca repetidamente em relações abusivas. Por mais que racionalmente queira se livrar desse ciclo, algo mais profundo parece atraí-la a reviver situações de dominação e dor. Na verdade, o que está acontecendo é uma encenação inconsciente do conflito interno: a dor vivida hoje se conecta com a tentativa de resolver algo que ficou em aberto no passado.

Esse olhar da psicanálise oferece uma compreensão importante: a repetição não é apenas uma escolha irracional ou falta de força de vontade. Ela aponta para a busca de uma satisfação que ficou interrompida, uma ferida psíquica que ainda não foi elaborada.

Mas há algo mais. O conceito de “atuação do trauma” sugere que essas experiências dolorosas não foram devidamente registradas como memórias narrativas, ou seja, como histórias que conseguimos contar a nós mesmos. Em vez disso, ficam “presas” no corpo e na ação, o que também sugere uma dimensão neurobiológica desse processo. É nesse ponto que se abre um diálogo fundamental entre psicanálise e neurociência: entender não apenas o porquê repetimos, mas também o como o cérebro mantém viva essa repetição sem que nos demos conta.


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